
PERIGO DO IRRESTRITO E DA VISÃO REDUCIONISTA
Tensionado assunto nas mesas de debate sobre proteção de dados é aquele que versa sobre informações públicas. Número perante o Cadastro de Pessoas Físicas – CPF, informações dispostas em redes sociais, status e regularidade daquele contribuinte perante o fisco e demais informações sobre o titular dispostas em portais governamentais públicos.
Inicialmente, o termo “Informações Públicas” leva a entender que esse emaranhado de dados pode ser captado por qualquer pessoa ou entidade que os deseja, pois, como a própria terminação diz, estes dados são públicos.
Regidos por essa máxima surgem os Data Brokers, resumidamente, trata-se de “corretores de dados”. Estes corretores coletam e compilam vários dados pessoais públicos utilizando-se do processo de Data Scrapping: a raspagem de dados retirados de fontes públicas como processos judiciais, atas notariais, sites e redes sociais, criando verdadeiros Dossiês sobre aquele titular.
Montado o Dossiê, esse corretor vende os dados pessoais coletados para um terceiro que irá utilizar essa fonte de informação para atingir seus interesses (sejam esses legítimos ou não). Citando como exemplo, em âmbito nacional, temos o site “ Tudo Sobre Todos”.
Inegável que o acesso irrestrito às fontes de informações públicas coloca o titular de dados em iminente risco, pois, através de informações públicas é possível trilhar caminhos para que sejam descobertas outras informações intrínsecas àquela pessoa, como orientação sexual, religiosa e política, portanto, a catalogação daquele indivíduo pode evoluir do incomodo de um marketing direcionado para uma possível discriminação.
LIBERDADE NEGATIVA E LIBERDADE POSITIVA
A Constituição Federal traz em seu artigo 5º, inciso X, que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
O Código Civil, traz seu artigo 21 que “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”, temos também o Marco Civil da Internet, em seu artigo 3 º, incisos II e III que diz “A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios: II – proteção da privacidade; III – proteção dos dados pessoais, na forma da lei;”
Nos citados artigos é construído ao seu redor um forte princípio de uma liberdade negativa, sua vida privada, em diversos aspectos (convívio social, familiar, profissional, amoroso) deve ser inviolável, ou seja, livre de interferências alheias. A legislação traz nesses artigos o conceito da liberdade negativa de ser “deixado só”, veja, balizado por essa liberdade negativa, o titular não muitas vezes não consegue blindar parte de seus dados, os dados públicos, mencionados no início.
Ainda existe certa dicotomia reducionista entre público e privado, sob esse prisma tudo aquilo que é público é de acesso irrestrito, entretanto, com o avanço da legislação brasileira e com os diversos estudos desenvolvidos na área já restou demonstrado o perigo de continuar atuando nessa dicotomia reducionista, ficando esse pensamento superado. Tendo em vista que esse conceito de liberdade negativa já não é suficiente para a proteção do titular, traz a LGPD em suas bases o que conhecemos como Autodeterminação informativa.
A LGPD traz em seus fundamentos a autodeterminação informativa, conforme o artigo 2 º, inciso II da lei. Diferentemente do direito de ser “deixado só”, o direito a proteção de dados pessoais, traduzido neste caso para a autodeterminação informativa, traz uma liberdade positiva para que o titular exerça controle sobre seus dados, independentemente desses dados serem públicos ou privados.
QUEBRA DA DICOTOMIA
A LGPD empodera o cidadão com o controle do seu fluxo de dados pessoais, devendo aquele que deseja manipular e tratar os dados respeitar os princípios que são arrolados no artigo 6 º da LGPD, independentemente se os dados que serão tratados são públicos ou privados.
Nesta breve discussão podemos perceber que o entendimento reducionista e binário entre dados públicos e privados já está superado, em conclusão, seja o dado público ou seja o dado privado, o titular do dado deve exercer total controle sobre ele, isso é o que chamamos de autodeterminação informacional, a liberdade positiva de exercer e controlar seus direitos sobre os seus dados pessoais.
Dr. Vinícius Braga Abdalla – Advogado OAB/SP 456.218
BIBLIOGRAFIA
BIONI Bruno. RIBEIRO MORETTO Márcio. A Transposição da Dicotomia entre o Público e o Privado – a dinâmica própria da proteção dos dados pessoais. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-transposicao-da-dicotomia-entre-o-publico-e-o-privado-25092015
LGPDR – Lei n.º 13.709, de 14 de agosto de 2018, publicado no DOU de 15.8.2018, e republicado parcialmente em 15.8.2018 – Edição extra. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm